Para que se entenda porque acontece diferença nas previsões da regência dos Orixás no Rio Grande do Sul e no resto do Brasil, é necessário conhecer a história da religião de matriz africana neste Estado e referidamente o processo de escravatura.
Abaixo, apresento texto que explica em detalhes este processo:
Batuque é uma Religião
Afro-brasileira de culto aos Orixás encontrada principalmente no estado do Rio
Grande do Sul/Brasil, de onde se estendeu para os países vizinhos tais como
Uruguai e Argentina.
Batuque é fruto de
religiões dos povos da Costa da Guiné e da Nigéria, com as nações Jêje, Ijexá,
Oyó, Cabinda e Nagô.
Estruturação do
Batuque no estado do Rio Grande do Sul deu-se no inicio do século XIX,
entre os anos de 1833 e 1859 (Correa, 1988 a:69). Tudo indica que os primeiros
terreiros foram fundados na região de Rio Grande e Pelotas. Têm-se notícias, em
jornais desta região, matérias sobre cultos de origem africana datadas de abril
de 1878, (jornal do comércio, Pelotas). Já em Porto Alegre, as noticias
relativas ao Batuque, datam da segunda metade do século XIX, quando ocorreu a
migração de escravos e ex-escravos da região de pelotas e Rio Grande para
Capital.
Obs: A
maioria do pessoal que escreve sobre a religião africana no Rio Grande do Sul, cita o Príncipe Custódio como introdutor
dos rituais de Batuque aqui no sul, não é bem assim, pois o negro se faz
presente neste Estado muito antes da família de Osuanlele (Príncipe Custódio)
ser retirada em 1897 de Benin (antigo Daomé), já no censo da população do Rio
Grande do Sul, feita no ano de 1814, nos mostra uma população negra expressiva
perfazendo um total de 36,7% de afro-brasileiros, contra um total de 45,6% de
brancos no estado, outro dado relevante é que pesquisadores, sérios, situam o
período inicial do Batuque nesta região entre os anos de 1833 e 1859, na mesma
época em que o Candomblé ganhava espaço na Bahia. O lendário Príncipe Custódio
só pisa em solo gaúcho no ano de 1899, na cidade de Rio Grande, e já encontra
aqui rituais religiosos de origem africana, popularmente denominada de Batuque.
Ele contribuiu sim com nossa religião, com seus contatos políticos, pois
Custódio, vinha de uma família nobre, sua saída da África foi política; ele
sabia como se destacar e fazia bom uso de sua sabedoria religiosa, o que ajudou
a travar as perseguições as casas de culto africano. As pesquisas realizadas
para saber sobre as nações Oyó, Cabinda, Ijexá e Jêje nos comprovam que o
Batuque se estabeleceu aqui no Rio Grande do Sul há quase dois séculos.
Os rituais do Batuque
seguem fundamentos, principalmente das raízes da nação Ijexá, proveniente da
Nigéria, e dá lastro as outras nações como o Jêje do Daomé, hoje Benim, Cabinda
(enclave Angolano) e Oyó, também, da região da Nigéria. O Batuque surgiu como diversas
religiões afro-brasileiras praticadas no Brasil têm as suas raízes na África,
tendo sido criado e adaptado pelos negros no tempo da escravidão. Um dos
principais fundadores do Batuque foi o Príncipe Custódio de Xapanã. O nome Batuque
era dado pelos brancos, sendo que os negros o chamavam de Pará. É da junção de
todas estas nações que se originou esta cultura conhecida como Batuque, e os
nomes mais expressivos da antiguidade, que de uma maneira ou de outra
contribuíram para a continuidade dos rituais.
Cantando para os Orixás
As entidades cultuadas são as mesmas em quase todos terreiros, os assentamentos
tem rituais e rezas muito parecidos, as diferenças entre as nações é
basicamente em respeito as tradições próprias de cada raiz ancestral, como no
preparo de alimentos e oferendas sagradas. O Ijexá é atualmente a nação
predominante, encontra-se associado aos rituais de todas nações.
Crenças
Filhos de santo
O batuque é uma religião
onde se cultuam vários Orixás, oriundos de várias partes da África, e suas
forças estão em parte dentro dos terreiros, onde permanecem seus assentamentos
e na maior parte na natureza: rios, lagos, matas, mar, pedreiras, cachoeiras
etc., onde também invocamos as vibrações de nossos Orixás.
Todo ser humano nasce sob
a influencia de um Orixá, e em sua vida terá as vibrações e a proteção deste
Orixá que está naturalmente vinculado e rege seu destino, com características
individuais, em que o Orixá exige sua dedicação, onde este poderá ser um
simples colaborador nos cultos, ou até mesmo se tornar um Babalorixá ou
Iyalorixá.
Quarto-de-Santo preparado para receber as oferendas aos
Orixás,
no momento que antecede o ritual.
Há uma questão de ordem
etmológica no Termo Pará, onde afirma-se ser este o outro nome pelo qual é
conhecido o Batuque, ora sabe-se que todo frequentador de Terreiros chama na
verdade o Peji ou quarto-de-santo de Pará e não o ritual sagrado dos Orixás,
este sim o Batuque. Esta questão já está dimensionada desde os anos 50, nas
pesquisas etnográficas de Roger Bastide sobre a Religião Africana no Rio Grande
do Sul.
São consideradas Religiões Afro-Brasileiras, todas as religiões que
tiveram origem nas religiões africanas, que foram trazidas para o Brasil pelos escravos:
- Batuque, Candomblé, Catimbó, Culto aos Egungun, Culto de Ifá, Jurema sagrada, Quimbanda, Macumba, Tambor-de-Mina, *Umbanda (não foi trazida pelos escravos e é a única religião genuinamente brasileira, criada em solo pátrio mas que tem sete orixás regentes, estes sim da cultura africana, que foram escolhidos pela Espiritualidade Maior, conforme relatos do pr´prio Zélio Fernandino de Moraes seu fundador e também do Livro "Brasil Coração do Mundo - Pátria do Evangelho" de Humberto de Campos psicografado por Chico Xavier ), Xangô do Nordeste, Xambá. As Religiões Afro-Brasileiras são relacionadas
com a Religião Yorubá e outras Religiões africanas, e diferentes das Religiões
Afro-Caribenhas como a Santeria e o Vodu.
Orixás
Roupas da cor dos Orixas e
fios de contas
O culto, no Batuque, é
feito exclusivamente aos Orixás, sendo o Bará o primeiro a ser homenageado
antes de qualquer outro, e encontra-se seu assentamento em todos os terreiros,
no Candomblé o chamam de Exú.
Entre os Orixás não há
hierarquia, um não é mais importante do que o outro, eles simplesmente se
completam cada um com determinadas funções dentro do culto. Os principais
Orixás cultuados são: Bará, Ogum, Oiá-Iansã, Xangô, Ibeji (que tem seu ritual
ligado ao culto de Xangô e Oxum), Odé, Otim, Oba, Ossain, Xapanã, Oxum,
Iemanjá, Oxalá e Orunmilá (ligado ao culto de Oxalá).
E há também divindades que
nem todas nações cultuam como: Exú Elegbara, Gama (ligada ao culto de Xapanã),
Zína, Zambirá e Xanguín (qualidade rara de Bará) que só os mais antigos tem
conhecimentos suficientes para fazer seus rituais.
TEMPLOS
Quarto de Santo ou Peji preparado para festa
No Rio grande do Sul a área de conservação das religiões africanas vai de Viamão à fronteira do Uruguai, com os dois grandes centros de Pelotas e de Porto Alegre.
No batuque, os templos terreiros são quase que em sua totalidade vinculados as casas de moradia. É destinado um cômodo, geralmente na parte da frente da construção onde são colocados os assentamentos dos Orixás. Neste local são feitos todos os fundamentos de matanças e trabalhos determinados, oferendas para os Orixás, e o local é considerado sagrado, pessoas vestidas de preto, mulheres em dias de menstruação não entram. Junto à esta parte da casa, chamada de quarto de Santo ou Peji, há o salão onde são realizadas as festas para os orixás.
O estado do Rio Grande do
Sul foi o maior responsável pela exportação dos rituais africanos para outros
países da América do Sul, entre eles Uruguai e Argentina, que também procuram
seguir a maneira de cultuar os Orixás; e a construção dos templos seguem exemplos
dos seus sacerdotes.
Todos os Orixás são
montados com ferramentas, Okutás (pedras) etc. e permanecem dentro da mesma
casa, com exceção do Bará Lodê e do Ogum Avagãn, que tem seus assentamentos
numa casa separada, ficando à frente do templo onde recebem suas oferendas e
sacrifícios. A casa dos Eguns também tem lugar definido, é uma construção
separada da casa principal, na parte dos fundos do terreiro, onde são feitos
diversos rituais.
Em caso de falecimento do
Babalorixá ou Yalorixá, dono do terreiro, fica a critério da família o destino
do templo, geralmente não tendo um familiar que possa suceder o morto o templo
é fechado. Na maioria dos casos na morte de um sacerdote, todas as obrigações
são despachadas num ritual especifico chamado de Erissum (Axexê), por este
motivo é muito difícil encontrar ilês com mais de 60 anos, são muito poucos os
sacerdotes que destinam seus axés à um sucessor, para dar prosseguimento à raiz.
RITUAIS
OFERENDAS PARA OS ORIXÁS
Os rituais são próprios e
originais e embora tenha alguma semelhança com o "Xangô de
Pernambuco", é muito diferente do Candomblé da Bahia.
Os rituais de Jêje tem
suas rezas próprias (fon), e ainda se vê este belo ritual em dois grandes
terreiros na cidade de Porto Alegre, as danças são executadas de par, um de
frente para o outro. Há também muitas casas que seguem os fundamentos da nação
Oyó que se aproxima muito do ijexá, já que, estas duas provem de regiões
próximas na Nigéria.
A principal característica
do ritual do Batuque é o fato do iniciado não poder saber em hipótese alguma
que foi possuído pelo seu Orixa, sob pena de ficar louco.
Cada Babalorixá ou
Iyalorixá tem autonomia na prática de seus rituais, não existem nomenclaturas
de cargos como tem no Candomblé, exercem plenos poderes em seus ilês. Os filhos
de santo se revezam nos cumprimentos das obrigações.
No mínimo uma vez por ano
são feitos homenagens com toques para os Orixás, mas as festas grandes são de
quatro em quatro anos. Chamamos de festa grande a obrigação que tem ebó, ou
seja quando há sacrifícios de animais de quatro patas aos Orixás, cabritos,
cabras, carneiros, porcos, ovelhas, acompanhados de aves como galos, galinhas e
pombos.
Esta obrigação serve para
homenagear o Orixá "dono da casa" e dos filhos que ainda não possuem
seu próprio templo. A data é geralmente a mesma que aquele sacerdote teve
assentado seu Orixá, a data de sua feitura. As festas têm um ciclo ritual
longo, que antigamente duravam 32 dias de obrigações, hoje diante das
dificuldades duram no máximo 16.
O começo de tudo são as limpezas de corpo e da
casa, para descarregar totalmente o ambiente e as pessoas, de toda e qualquer
negatividade; em seguida são preparados as oferendas e sacrifícios ao Bará. A
partir deste momento, os iniciados já ficam confinados ao templo, esquecendo
então o cotidiano e passam a viver para os Orixás por inteiro até o final dos
rituais. No dia do serão (dia da obrigação de matança), todos Orixás recebem
sacrifícios de animais. Os cabritos e aves são preparados com diversos temperos
e servidos a todos que participarem dos rituais, tudo é aproveitado, inclusive
o couro dos animais, que sevem para fazer os tambores usados nos dias de
toques.
No dia da festa o salão é
enfeitado com as cores dos Orixás homenageados. A abertura se dá com a chamada
(invocação aos Orixás), feita pelo sacerdote em frente ao peji (quarto de
santo), usando a sineta (adjá), saudando todos Orixás. Ao som dos tambores, as
pessoas formam uma roda de dança em louvor aos Orixás, a cada um com
coreografias especiais de acordo com suas características.
No final das cerimônias
são distribuídos os mercados, (bandejas contendo todo tipo de culinária dos
Orixás como: acarajé, axoxó (milho cozido e fatias de coco), farofa de aves,
carnes de cabritos (cozidas ou assadas), frutas, fatias de bolos etc.), alguns
consomem ali mesmo, outros levam para comer em casa.
Durante a semana são
feitos outros rituais de fundamentos para os Orixás, inclusive a matança de
peixe, que para os batuqueiros significa fartura e prosperidade, os peixes
oferecidos são da qualidade Jundiá e Pintado; estes são trazidos vivos do cais
do porto ou do mercado público, onde o comércio de artigos religiosos é
intenso.
Passeio no Mercado Público marca o encerramento das obrigações
No sábado seguinte é feito
o encerramento das obrigações, com mesa de Ibejes e toque, novamente em
homenagem aos Orixás, neste dia são distribuídos mercados com iguarias e o
peixe frito, significando a divisão da fartura e prosperidade com os
participantes das homenagens aos Orixás. Após o encerramento, o sacerdote leva
os filhos que estavam de obrigações ao rio, à igreja, ao mercado público e à
casa de alguns sacerdotes, que fazem parte da família religiosa, para baterem
cabeça em sinal de respeito e agradecimento; este passeio faz parte do
cumprimento dos rituais. Após o passeio todos estão liberados para seguirem
normalmente o cotidiano de suas vidas.
EGUN
No Batuque também temos a
parte dos rituais destinados ao culto dos Eguns. Este é um ritual cheio de
magia e segredos onde poucos sacerdotes têm o completo domínio.
A casa dos Eguns
(espíritos dos mortos) fica numa construção separada da casa principal, nos
fundos do terreno, onde são feitos diversas obrigações em determinadas datas e
quando morre alguém ligado ao terreiro; este local é denominado Balê.
Aos Eguns também são
oferecidos sacrifícios de animais, e comidas diversas que fazem parte somente
deste ritual, não podendo ser usados em outras ocasiões.
Os Eguns, assim como os
Orixás, tem suas rezas (cânticos) próprias, feitos na linguagem yorubá, e em
dias de obrigações recebem toques ao som de tambores frouxos e sem o
acompanhamento de agê (instrumento feito com uma cabaça inteira trançada com
cordão e contas diversas).
Cada nação tem rituais
diferentes para este tipo de obrigação.
SACERDÓCIO
O babalorixá ou Iyalorixá tem a responsabilidade de formar novos sacerdotes, que darão continuidade aos rituais. Para isto é preciso preparar novos filhos de santo, que durante um certo período de tempo aprenderão todos os rituais para preservação dos cultos.
O sacerdote chefe deve
passar aos futuros Pais ou Mães de Santo, todos os segredos referente aos
rituais tais como: uso das folhas (folhas sagradas), execução de trabalhos e
oferendas, interpretação do jogo de búzios, e até mesmo como preparar um novo
sacerdote.
Geralmente o futuro
sacerdote já nasce no meio religioso, onde conviverá acompanhando todos os
diversos rituais que darão suporte a seus afazeres dentro do culto, e terá
pleno conhecimento de todos os tipos de situações que enfrentará em seu futuro
templo.
O tempo de aprendizado é
longo, não se forma um verdadeiro sacerdote de Orixás com menos de sete anos de
feitura, e os ensinamentos são passados de acordo com a evolução da capacidade
de aprendizado que o noviço tem, já que os ensinamentos são feitos oralmente,
não há livros para ensinar os rituais, a melhor maneira de aprender tudo é
conviver desde cedo dentro dos terreiros.
A partir do momento que um
noviço se torna um sacerdote de Orixá, terá as mesmas responsabilidades daquele
que lhe passou os ensinamentos.
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* Umbanda = grifo meu Anna Aguyrre
Referências
[1] - JAQUES, André Porto. A Geografia do Batuque:
estudos sobre a territorialidade desta religião em Porto Alegre-RS..
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. <http://www.ufrgs.br/labes/publicacoes/orientados/TG_AndrePorto_vdigital.pdf
2 - Texto extraídos do livro Os Orixás, publicado pela Editora Três
3 - Sites e fotos da Intenet
Um dos melhores textos que já encontrei postados na internet sobre o Batuque. Está simplesmente primoroso pelos inúmeros detalhes elucidativos que apresenta.
ResponderExcluirSó posso agradecer por todos os que visitam este blog e parabenizar pelo empenho em compartilhar informações tão relevantes a qualquer pesquisador.
Axe
PS.: Aproveitando o ensejo gostaria, se possível, que dissertasse sobre a Nação Cabinda. A meu ver, a verdadeira essência de todo o Batuque.
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