♫Firma o ponto minha gente
Preto Velho vai chegar
Ele vem de Aruanda
Ele vem prá trabalhar...♫
Era dia de "gira de preto velho" naquele terreiro. Enquanto os
consulentes chegavam ansiosos e esperançosos em levar de volta a
"solução" daqueles problemas que atrapalhavam suas vidas, na frente
do conga os médiuns vestidos de branco e de pés descalços concentravam,
ligando-se aos seus protetores e guias.
O ambiente denotava simplicidade e era mobiliado apenas por algumas cadeiras
para acomodar os consulentes, poucas banquetas para os médiuns que serviriam de
"aparelhos" às entidades espirituais e o congá onde um vaso de
flores, outro de ervas e os elementos ar, fogo, água e terra se faziam
presentes. Acima, uma imagem de Jesus resplandecente de luz.
Iniciando-se a sessão através de pontos cantados e orações, após uma leitura
espiritualista elucidativa, iniciavam-se as incorporações de maneira moderada. Do lado astral, as falanges de
trabalhadores já haviam chegado muito tempo antes dos médiuns e ali já haviam
preparado o ambiente fluidicamente. Uma varredura energética havia sido feito
pelos elementais onde primeiramente atuaram as salamandras e após as sereias e
ondinas, fazendo com que toda a matéria astralina densa que ali se encontrava,
fosse transmutada permitindo a chegada dos espíritos trabalhadores.
Na porta do ambiente, junto à firmação de ponto riscado e da presença do
elemento fogo, postava-se o guardião da Casa, Exu Gira Mundo, impondo respeito
e segurança. Num raio de 360º ao redor da construção, uma guarnição dos
caboclos na egrégora de Ogum formavam verdadeira muralha armada, impedindo a
invasão de seres indesejáveis ao bom andamento do trabalho da noite.
A
construção toda estava no interior de grande pirâmide iluminada na cor violeta,
com grande e grossa placa de aço imantado na parte inferior impedindo que o
excesso de energia telúrica desequilibrasse a polaridade positiva que era
captada pelos sete anéis giratórios que ladeavam a pirâmide, representando as
Sete Linhas de Umbanda. Cada um desses anéis destacam-se na cor fluídica de seu
Orixá e emitiam um harmonioso som diferenciado.
Cada
um dos consulentes que adentrava ao ambiente passava agora primeiro pela
defumação que queimava junto à porta, em cumbuca de barro, exalando o cheiro
das ervas perfumadas sendo incineradas pelo carvão vegetal. Equipes de limpeza
se movimentavam no lado espiritual, recolhendo as larvas astrais e outras
espécies de energias deletérias que ali eram desagregadas dos corpos dos
consulentes, as quais não eram totalmente absorvidas pelo carvão ou
transmutadas pelo elemento fogo.
Em alvíssimas vestes, os amados Pais e
Mães, na sua roupagem fluídica de Pretos velhos, trazendo a alegria estampada
em sua energia, tomavam conta de seus "aparelhos" médiuns, atuando no
chacra básico dos mesmos, obrigando-os a dobrar as suas costas à semelhança de
velhos arqueados, incentivando-os ao trabalho fraterno.
E
assim, de consulente em consulente, de caso em caso, com a paciência e
sabedoria que lhes é peculiar, entre uma baforada e outra de palheiro ou de
alguma espanada com o galho de ervas na aura daqueles filhos, os bondosos
espíritos cumpriam sua missão. Eram conselhos, corrigendas, desmanche de magia
negra, de elementares artificiais negativos, limpeza e equilíbrio dos corpos
sutis, retirada de aparelhos parasitas e às vezes, alguns puxões de orelha
necessários, em forma de alerta. Tudo de acordo com o merecimento do
consulente, pois cada um trazia consigo a mostragem de sua "ficha
cármica" onde estavam impressos o que a Lei permitia ser mudado, bem como
o que ainda era necessário que com eles permanecesse.
Vó Benta, espírito portador de grande sabedoria e humildade, apresentando-se
naquele local com o corpo astral de negra velha de pequena estatura, com roupas
simples e alvas, cuja saia comprida e larga era coberta por um avental onde um
bolso era recheado de ervas e patuás, tinha uma maneira simplista e diplomática
de fazer com que os filhos entendessem que eles próprios eram seus médicos
curadores:
-Minha mãe, acho que estou sendo vítima de "trabalho feito" pela
minha ex mulher...
Sorrindo e com linguagem peculiar, segurava com firmeza as mãos do moço
passando-lhe com isso confiança e com a voz recheada de afeto respondia:
-Negra velha vai explicar para que o filho entenda: - quando sua casa está
totalmente fechada, fica escura e nada pode entrar, às vezes nem a poeira. Não
é isso? Quando o filho abre as janelas e portas, a luz do sol entra invadindo
todos os cantos, mas podem entrar também as moscas, baratas, formigas e até os
ladrões, não é? Para a sujeira e os bichos, o filho pode usar a vassoura, para
os ladrões a lei, a segurança. E para a luz do sol? Ah, essa filho, fica ali
iluminando até que o filho feche toda a casa outra vez. Assim também é a nossa
casa interna; quando nos fechamos para a vida, para o trabalho, ficamos no
escuro e ao nos abrirmos , deixamos a luz entrar mas ficamos sujeitos a todas
as outras energias que pululam ao nosso redor. Mas como acontece na casa
material, onde não houverem os atrativos da sujeira e do lixo, os insetos não
se aproximam. Se estivermos equilibrados, sem raiva, mágoa, ciúmes, vícios e todos
esses lixos que os filhos buscam na matéria, nada nem ninguém consegue afetar
nossa energia, nossa vida. Só o sol permanece no coração de quem procura
manter-se limpo.
Negra velha sabe que esse mundão está de cabeça para baixo. No lado material os
filhos andam desarvorados pela dificuldade de sustento de suas famílias, quando
não, em busca de supérfluos. Mas mesmo assim, é preciso lembrar aos filhos, que
embora estejam na matéria e sujeitos à ela, a vida real está no espírito
imortal. É preciso dar mais atenção, senão prioridade, à essência em detrimento
do restante, para que possa haver o equilíbrio dos elementos inerentes à vida,
na sua totalidade.
O mal que é enviado aos filhos, só vai instalar-se se encontrar no endereço
vibratório, ambiente adequado. Sem contar que, o medo é porta aberta e atrativo
para a entrada do desequilíbrio. O medo é sentimento muito usado pelas energias
trevosas, uma vez que fragiliza o corpo emocional facilitando sua atuação
mórbida. Por outro lado, negra velha pergunta para o filho: - se a desordem não
houvesse se instalado, por acaso o filho estaria aqui, sentado no chão, em
frente à preta velha, buscando humildemente ajuda espiritual? Nem sempre o que
nos parece mal, é tão prejudicial assim. Pode ser o remédio adequado para o
momento, ou talvez a estremecida necessária no corpo astral dos filhos, para
que a ordem possa reinstalar-se.
As trevas, meu filho, estão vinte e quatro horas de plantão. E os filhos, acaso
estão? Não adianta orar e não vigiar, pois o pensamento é energia e com ele nos
adequamos ao campo energético que quisermos.
Antes da hora grande as falanges da egregora dos Pretos Velhos, despediram-se
de seus aparelhos, alguns precisando largar e desfazer a vestimenta astral
usada para que pudessem chegar até os aparelhos mediúnicos e voltavam agora
para as bandas de Aruanda, onde continuariam suas atividades no mundo astral.
Pois como diz a Vó Benta, "se pensam que morrer é dormir e descansar, os
filhos estão muito enganados... desse lado tem muito trabalho e como nem o Pai
está imóvel, quem somos nós cuja ficha cármica demonstra um vasto débito, para
nos aposentarmos?".
Agora as velas apagam-se, os elementos voltam a integrar a natureza, os
elementais após limparem o ambiente retornam aos seus devidos reinos, os elementares
foram desagregados pela força e sabedoria dos pretos velhos e os médiuns voltam
aos seus lares com a sensação de paz que só é sentida por aqueles que cumprem
com seus deveres.
♫Preto velho já foi,
Já foi prá Aruanda,
A benção meu Pai
Saravá prá sua banda...♫
Salve os Pretos Velhos, Adorei as Almas.
FONTE: Jornal Sagrado de Umbanda.